A discussão sobre a
infraestrutura das escolas revela muito sobre a forma como cada um
encara o debate educacional. Alguns ficam tão preocupados apenas em
saber se os alunos aprenderam ou não o mínimo necessário, que não se
preocupam em quais condições se dá o ensino. Infelizmente, para essas
pessoas, impera a lógica de que para o filho do outro vale qualquer
escola e qualquer educação.
Em primeiro lugar, é honesto
apresentar a minha posição: concordando com a legislação nacional,
embora ela esteja tão distante de ser efetivada, entendo que todo aluno
tem o direito de estudar em uma escola adequadamente equipada.
Concomitantemente, considero que todo professor também tem o direito de
lecionar com os insumos pedagógicos necessários.
Recentemente, o
UOL Educação noticiou uma pesquisa que aponta que menos de 1% das
escolas brasileiras têm infraestrutura mínima, segundo os critérios do
CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), ou "ideal", no entendimento dos
autores do estudo, diante do enorme atraso brasileiro.
O CAQi
calcula quanto a educação pública custa por aluno ao ano, considerando
salário inicial condigno, política de carreira e formação continuada aos
profissionais da educação, número adequado de alunos por turma, além de
insumos infraestruturais como: brinquedotecas, bibliotecas, quadra
poliesportiva coberta, laboratórios de informática e laboratórios de
ciências, etc.
Embaixo da árvore
Uma vez, em março de 2009,
fui convidado pela Save the Children – Reino Unido a apresentar o CAQi
na Universidade de Londres. Depois da minha explanação, em controlados
25 minutos, uma gestora do alto escalão do DFID (Departamento para o
Desenvolvimento Internacional), a agência britânica que tem como missão
"a promoção do desenvolvimento sustentável e eliminação da pobreza no
mundo", discordou dos meus argumentos:
– Meu filho estuda em uma
escola pública aqui de Londres. Ele era ótimo em natação. Mas,
infelizmente, teve um professor ruim. Praticamente desaprendeu a nadar.
Não são os insumos, o que importa é o professor.
Com calma e imbuído do melhor espírito democrático, respondi:
–Tem
razão, o fator mais importante para a qualidade da educação é o
professor. Ele, inclusive, precisa de boas condições de trabalho e isso
são insumos. Mas, perceba: seu filho não nadaria se não houvesse uma
piscina. Sem ela, aliás, ele nem desaprenderia a nadar, segundo você.
Em socorro de sua companheira de escritório, uma jovem do DFID insistiu:
–
Na África, apoiamos ótimos professores ensinando embaixo de árvores,
muitas vezes sem cadernos ou livros. Eles fazem um ótimo trabalho por
lá. Acho que você não tem razão, insumos não são determinantes –
concluiu ela.
A calma se foi:
– Como disse, o CAQi não
contabiliza apenas infraestrutura, considera salário, carreira, formação
– respirei. E emendei. – Mas se eu te perguntasse se você colocaria seu
filho para estudar lá embaixo da árvore, provavelmente, por orgulho, ou
por simples hipocrisia, você diria que sim, que colocaria. Estou certo?
Mas quero propor outra questão: pergunte aos estudantes e aos
professores africanos que vocês apoiam se eles aceitariam trocar a
sombra daquela árvore por uma escola bem equipada de Londres. O que você
acha que eles responderiam?
O silêncio tomou conta do auditório,
quebrado em alguns eternos segundos depois por um estudante indiano.
Encorajado, mesmo diante do desconforto reinante, disse concordar
plenamente com minhas colocações. Como pesquisador do tema, elencou
outros equívocos da política de cooperação do DFID, denominada por ele
como um "arrogante e ineficaz projeto civilizador".
"Infraestrutura não altera qualidade da educação?"
Todo
ano, algum pesquisador incauto apresenta dados que buscam comprovar: "a
infraestrutura das escolas não altera a qualidade da educação". Como a
opinião pública também se nutre pela repetição, vez ou outra me deparo
com gestores ou professores que repetem irrefletidamente essa máxima.
Para
provar o contrário, é possível trilhar muitos caminhos de natureza
científica. Por exemplo, demonstrar que a qualidade da educação não pode
ser mensurada apenas por testes de larga escala, como a Prova Brasil.
Outra alternativa seria desconstruir as pesquisas econométricas a partir
de sua própria lógica, apresentando suas incompletudes e equívocos
metodológicos. Sem muita dificuldade, também seria possível comprovar
que insumos são condições necessárias, mas não suficientes, para a
qualidade da educação. O que é verdade.
Em outras palavras,
qualquer percurso analítico nos levará ao fato: a infraestrutura
adequada das escolas compõe um dos elementos para a qualidade da
educação, não o único. Ou seja, as pesquisas praticam um costumeiro
cinismo analítico: primeiro, evidenciam os insumos físicos como um fator
educacional. E depois, ao isolá-los, dizem que sozinhos não interferem
na qualidade do ensino. E essa não é uma conclusão honesta.
Embora
fosse eficaz, o debate metodológico é hermético demais, pouco palpável.
Proponho outra questão, de cunho social: por que a infraestrutura
adequada das escolas é importante?
Em 2006, a Campanha Nacional
pelo Direito à Educação lançou o livro "Consulta sobre a qualidade da
educação infantil: o que pensam e querem os sujeitos deste direito". A
conclusão da pesquisa foi de que creches e pré-escolas agradáveis, com
brinquedotecas, livros infantis e parquinhos aumentavam o repertório das
crianças, estimulavam a participação dos pais e motivavam as educadoras
e os educadores a cuidarem e ensinarem os alunos. Todos se sentiam
respeitados.
Para serem respeitados como cidadãos, todos merecem
uma escola digna, adequadamente equipada. Sejam os profissionais da
educação ao redor do mundo, as crianças britânicas, africanas ou
brasileiras, qualquer que seja sua classe ou origem social.
Sendo
elemento constituinte do direito à educação, a infraestrutura não pode
ficar subordinada ao desempenho nem dos alunos, nem dos professores. A
qualidade do equipamento público deve ser encarada como um atributo
inquestionável de cidadania. E sua importância reside exatamente ai: na
"igualdade de condições para o acesso e permanência na escola", conforme
reza o primeiro princípio da educação nacional, disposto no artigo 206
da nossa Carta Magna.
Porém, como se sabe, não é isso o que
acontece. Na matéria "Clico da pobreza", a Revista Educação apresentou
dados do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) que trazem uma
preocupante realidade: nas escolas onde mais de 50% dos alunos
matriculados são beneficiários do Bolsa Família, a infraestrutura é
inferior à média nacional, que está distante de ser aceitável. Ou seja,
os filhos das famílias mais pobres, que já vivem em situação de
vulnerabilidade, estudam em uma escola precária. E eles merecem uma
escola bem equipada independentemente de irem bem ou mal na Prova
Brasil, independentemente do resultado da sua unidade escolar no Ideb
(Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
http://educacao.uol.com.br/
Fonte: UOL Educação - Daniel Cara
(Editor: Otávio Araújo)
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