quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A importância da leitura e da escrita para uma atuação cidadã

A proficiência em leitura e produção de textos é condição necessária para o exercício da cidadania. A afirmação é da mestre em Linguística pela Universidade de Campinas Cristiane Mori de Angelis, que vê no uso de sequências didáticas e dos gêneros textuais uma estratégia para auxiliar os professores a despertar o interesse pela leitura e escrita nos alunos. Leia os principais pontos da entrevista.

Qual a importância dos gêneros textuais para o ensino da Língua Portuguesa? Eles podem facilitar o processo de aprendizagem da escrita e contribuir para a formação de novos leitores? De que forma?
Os gêneros devem servir como instrumento para o ensino e, nunca, como uma amarra ou um fim em si mesmo. Os alunos não precisam saber elencar as características temáticas, composicionais ou estilísticas de um gênero; eles devem, sim, dominá-las para serem capazes de ler e de escrever textos deste gênero. O gênero contribui para o ensino de Língua Portuguesa, porque não há um texto único capaz de ensinar "a ler e a escrever”. Aprender a ler e a escrever implica a leitura e a produção dos variados textos que circulam nas diferentes esferas de atividades e, assim, a proficiência só é possível quando os alunos se apropriam das características e do funcionamento dos gêneros. Além disso, a tão esperada e necessária criticidade – seja na leitura, seja na escrita – decorre da compreensão dos lugares sociais ocupados pelo leitor e pelo escritor, dos interesses envolvidos numa dada esfera de atividade e das finalidades visadas; parâmetros esses contemplados necessariamente num ensino balizado pela noção de gêneros.

O hábito da leitura e da escrita pode contribuir para que crianças e jovens no futuro possam exercer a cidadania de modo pleno? Por quê?
A proficiência em leitura e produção de textos é condição necessária para o exercício da cidadania. As sociedades letradas organizam-se em esferas de atividades que colocam aos seus atores diferentes necessidades de comunicação, as quais demandam, cada vez mais, gêneros diversificados: orais, escritos, impressos, eletrônicos, digitais, verbais, multimodais. Para atuar nesta sociedade, para compreender os conflitos de interesses que nela se dão, para entender e se fazer entender, para opinar, para reivindicar, para protestar, para solicitar, para convencer, para apreciar, enfim, para agir como um cidadão é preciso ser capaz de produzir e ler os gêneros que circulam e, para isso, ao longo da vida, os sujeitos devem ler e escrever textos variados, em gêneros, em mídias, em suportes, sempre reconhecendo e respeitando a situação de produção que os engendraram.

Segundo uma pesquisa feita pelo QEdu: Aprendizado em Foco, realizada a partir das respostas dadas aos questionários socioeconômicos da Prova Brasil 2011, aplicados pelo Inep, menos da metade dos professores lê no tempo livre. Isso pode interferir na sua capacidade de mostrar de forma criativa e dinâmica aos alunos a importância da leitura e da escrita para a vida? O que falta para esses professores recuperarem o prazer pela leitura e escrita? Por quê?
Trata-se de uma questão complexa. Por que os professores não são leitores? Deve-se mesmo esperar que os professores sejam mais leitores do que os médicos, os advogados, os bancários, os comerciários, os aposentados? Penso que a questão é o que nos faz ou não uma sociedade de leitores e, para refletir sobre isso, é necessário abrir mão de alguns estereótipos e de alguns mitos sobre a leitura no Brasil. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a porcentagem de brasileiros que lê em seu tempo livre caiu de 36% para 28% entre 2007 e 2011; ao mesmo tempo, aumentou de 18% para 24% o número de brasileiros que navegam na Internet, o que pode indicar que a tendência seja a de aumentar o número de brasileiros que leem na Internet. Caberia, então, perguntar: quando se afirma que os professores não leem em seu tempo livre, está-se considerando o que ele lê na tela do computador? É curioso observar, ainda de acordo com essa pesquisa, que a mãe e o professor são as figuras que mais influenciaram os leitores a lerem, o que parece mostrar que, ainda que os professores não leiam ou leiam pouco, eles permanecem como referência de leitores para seus alunos.
A meu ver, mostrar a importância da leitura depende de os professores serem leitores, entendendo que a leitura e a escrita são um compromisso de todas as áreas, ou seja, não é apenas o professor de língua portuguesa que deve ensinar a ler; depende de iniciativas para que o Brasil se consolide como uma sociedade leitora, o que passa, dentre outros aspectos, por uma incorporação das práticas de letramento que já ocorrem, mas não são valorizadas. É preciso olhar para o entorno das escolas e das comunidades e reconhecer as manifestações culturais que ali ocorrem e fazem sentido para seus usuários e trazer tais manifestações para dentro da escola, de modo que alunos e professores possam se reconhecer nelas. Mais uma vez: quando se afirma que a maioria dos professores não lê em seu tempo livre, o que está sendo considerado como "leitura”? Apenas a chamada "alta literatura” ou também outras leituras? Ser uma sociedade leitora também implica políticas de barateamento do livro, abertura das bibliotecas como espaços de lazer e cultura e, evidentemente, de formação de leitores.

A literatura e a escrita estão sendo bem exploradas nas escolas? Por quê?
Penso que as escolas vêm se preocupando com a escrita de uma forma adequada, tentando encaminhar um trabalho que considere a situação de produção e os gêneros. Já em relação à literatura, mudanças e aprimoramentos são necessários, pois ainda prevalece um uso escolarizado da literatura, no qual os livros se prestam a ensinar conteúdos, sobretudo morais, bem como impera a crença – equivocada – de que não é possível ou não se deve ensinar a ler literatura. De modo geral, as escolas atuam como se apreciar um bom livro de literatura fosse algo natural, como se fosse evidente ou transparente o que é um livro com qualidade literária. Ao contrário, a estética literária pode e, frequentemente, o faz demandar estratégias requintadas de leitura, para que os recursos estéticos empregados, bem como mundo ficcional criado, possam ser desvendados e compreendidos. Isso demanda mais do que simplesmente ler; é preciso ler junto com os alunos, mostrar o funcionamento daquele texto, desvelá-lo. Também é ampliar o repertório de leitura, diversificando autores, gêneros, temáticas, estilos, contextos, bem como é preciso que as leituras recomendadas obrigatórias convivam com outras práticas de leitura, em que a escolha, cujos critérios também podem e devem ser discutidos e burilados, seja dos alunos e em que diferentes modos de ler sejam experimentados.

O uso de sequências didáticas como as que foram adotadas no processo da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro pode ser uma saída para que o ensino da Língua Portuguesa seja atrativo?
Desde que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) passou a ser, em 1996, uma política para a qualidade dos livros didáticos, vê-se, ano a ano, cada vez mais materiais didáticos adequados ao ensino de Língua Portuguesa comprometidos com os pressupostos básicos que possam garantir a compreensão e a produção de textos orais e escritos e a capacidade de analisar a língua, em função dos usos situados que dela se precisa, ou deseja, fazer. No entanto, por sua própria natureza, os livros didáticos não podem se aprofundar em alguns gêneros, propondo, para isso, um conjunto sistematizado e organizado de módulos que vão desde uma produção inicial – diagnóstica – até uma produção final, que é a última etapa de um processo em que as dimensões temática, composicional e estilística do gênero foram exploradas em detalhes. Somente a metodologia das sequências didática permite esse trabalho e, por isso, ela deve ser um dos expedientes que organizam o currículo de Língua Portuguesa. Assim, a meu ver, um currículo de Língua Portuguesa deve decidir quais serão, em cada ano escolar, aqueles gêneros que receberão um tratamento aprofundado e as sequências didáticas que devem ser empregadas. No entanto, também é preciso que, em todos os anos, os alunos "visitem” outros gêneros, que não precisam receber um tratamento assaz aprofundado, bem como é necessário que gêneros já aprendidos em anos anteriores sejam revisitados, sobretudo como mote para produção de textos pontuais, que se prestam para garantir que os alunos escrevam textos, no mínimo, uma vez por semana.

Além do uso de sequências didáticas que outras estratégias os professores poderiam adotar para despertar nos alunos o interesse pela leitura e pela escrita?
Basicamente, aqui, parece-me que a solução está considerar as mudanças pelas quais os textos vêm passando e o caráter eminentemente cultural das práticas de letramento. Em relação à mudança nos textos, trata-se de trazer para dentro da escola a multimodalidade, em reconhecer e valorizar o caráter multissemiótico dos textos, em que infográficos, imagens estáticas, imagens em movimentos, esquemas, ilustrações, sons convivem com a linguagem verbal. Note-se, aqui, a necessidade premente de incluir nos currículos estratégias para o desenvolvimento de habilidades ligadas à edição de som e imagem e não mais, apenas, a edição de textos. Ao lado da multimodalidade, há de se considerar a multiculturalidade, ou seja, de se reconhecer e valorizar as diferentes manifestações culturais que existem, sobretudo, na comunidade em que a escola se encontra, abrindo as portas para novos gêneros, muitos vezes híbridos ou ainda em construção, que refratam condições de produção próprias de grupos que, por uma razão ou outra, estão à margem da cultura massificada e homogeneizada que a escola e outras agências de costuma valorizar.

Qual é o papel da leitura, do conhecimento da literatura e da escrita na construção do indivíduo em formação em sala de aula?
O papel é central: conhecer e compreender a literatura pode funcionar como a porta de entrada para a arte em geral e ser capaz de compreender, fruir e apreciar as diferentes manifestações artísticas é, sem dúvida, uma das soluções para a banalização da violência e para o fortalecimento de uma sociedade humanizada e comprometida com o bem comum. As competências leitora e escritora, por sua vez, são, como dito acima, a possibilidade de o sujeito agir na sociedade, exercendo plenamente sua cidadania.

http://www.fundacaoitausocial.org.br/acontece/newsletter/edica o-n-47-setembro-2013-nota-4.html

Fonte: Fundação Itaú social

(Editor: Otávio Araújo)

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